13 de fev. de 2010

Lembrando Fon


Chico Lira

Conheci Fon numa festa na casa de Meira Pires. O ano exato eu não lembro. Lembro daquele rapaz (não tínhamos 18 anos ainda) de voz calma, clara e com um sotaque diferente, como se não fosse nordestino. Fon era magro, parecia mais alto (nem um e oitenta) e usava cabelos compridos (uma juba ondulada), óculos com aros redondos, lentes grossas e esverdeadas. A barba era rala e o bigode quase não tinha. O que ele tinha era um jeito amigável, fazendo perguntas pra ser atencioso com quem conversava: “Você nasceu em Natal?”. Ele puxava o papo. Dias depois passou na minha calçada. Chamou-me atenção como caminhava: passos largos, ligeiros (nem 30 anos depois eu conseguia acompanhá-lo: “Vamos lá, Matéria”). Seu andar era firme e determinado.

Quando me apresentaram Fon (acho que Sara Mires Pires) eu já conhecia seu irmão mais novo, Lola, das corridas noturnas de carros de cocão (rolimãs) no calçadão da AABB (minha amizade com Eustachio veio depois). Fon me conheceu como “Neném”, mas sempre me chamou de Lira por influência dos nossos amigos (Fankiko? Zezito? Gurgel, talvez). Sinto não ter andado naqueles tempos com os irmãos do descoladíssimo conjunto de rock “Vândalos”, mas não era difícil encontrá-los em Natal. Obrigatoriamente estávamos em todas.

A vida era tão boa que o tempo voou. Tudo foi mudando. Crescemos e logo depois dos 20 anos casando... e se separando. Menos Fon com Cathy. Em 1978, eu ainda casado no primeiro, encontrei Fon (abastecendo no Posto da Pitombeira) e surgiu um convite para irmos à sua casa da Candelária. Fomos mais de uma vez. Recordo Afonsinho, com dois anos, brincando com Fernanda, minha filha, com um.

Poucos meses depois e eles se mudaram pro Tirol. Lembro que nessa época Fon passou uma temporada de trabalho no Rio de Janeiro. E quando retornou, os nossos contatos foram tão freqüentes que resultou na produção de “Revolta dos Peixes”, três shows de Lola e banda (era uma de Mossoró, com Kadna Cordeiro, irmã de Cathy na flauta), no Teatro Alberto Maranhão, em fevereiro de 1980. Tudo correu bem com a produção e os shows, mas a “nossa” Mar Grande Produções Artísticas nem chegou a abrir firma. Eu me mudei pro Rio e Fon foi morar na badalada casa da Praia dos Artistas.

No Rio, me encontrava com Lola, que também se mudara pra lá, mas perdi o contato com Fon.

Em 1984, encontrei-o morando em São Paulo. Tomamos umas e outras na noite do Bixiga e dali em diante foram anos de intercâmbio Sampa-Praia Grande. Nossas “reuniões de cúpula” (como ele chamava) serviam para matarmos saudades de Natal e dos amigos: “Sabe quem ficou rico?” “Sabe quem pirou?”

Fon era caseiro. O evento precisava ser muito bom para tirá-lo da toca. Tinha uma vida familiar feliz, e sabia como poucos deixar os seus convidados à vontade. Ele amava o próximo ao se modo: sem grandes demonstrações. E quem conviveu com Fon, principalmente seus familiares, conheceu sua enorme generosidade.

Em 1994, eu pedi a Fon que ele viesse ao litoral para entrevistar o cantor Tim Maia, juntamente comigo e o jornalista Edgar Dall’Acqua. Veio e sofreu com sua calça de veludo em pleno verão. Mas foi ele quem nos salvou quando o irreverente entrevistado resolveu só falar em inglês. Tim Maia podia até vir em outras línguas, porque Fon, além de uma vasta cultura, era poliglota.

Quando, em 2007, ele foi baleado num assalto em seu escritório da Unicef, só soube meses depois. Foi quando trocamos alguns e-mails, mas logo ele adoeceu.

Fui vê-lo uma semana antes de nos deixar na saudade. Estava com sua dedicada e incansável Cathy ao lado. Abracei Afonsinho e Gabriel (seu querido caçula “Gabilunga”). Abracei Eustachio e Lola. Cantamos pra Fon no quarto transformado em UTI. Ali, senti que só um milagre. Mas também senti que Fon já era imortal.

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